05/03/2008

Inconsciência, Apego e Meditação

A inconsciência, a falta de perceptividade, é a causa do apego.

Quando você está relacionado, apegado a alguém, e alguém está apegado a você, você sente que você não está sozinho no mundo, neste mundo estranho. Alguém está com você. Essa sensação de pertencer lhe dá uma espécie de segurança. Quando o relacionamento humano se torna impossível, então os homens e as mulheres tentam se relacionar com animais. No Ocidente, eles vivem muito profundamente relacionados a cães e a outros animais, mas, aqui no Oriente, embora você possa estar reverenciando as vacas, você não tem relação com elas. Você pode continuar dizendo que você reverencia a vaca como um animal divino, mas sua crueldade não tem fim.

Para o apego, a consciência não é necessária; ao contrário, a consciência é a barreira. Quanto mais consciente você se torna, menos você será apegado, porque a necessidade de apego desaparece. Por que você quer estar apegado a alguém? Porque sozinho você sente que você não se basta. Você sente falta de alguma coisa. Algo fica incompleto em você. Você não é inteiro. Você precisa de alguém para completá-lo. Daí, o apego. Se você está consciente, você está completo, você é inteiro - o círculo está completo agora, não está faltando nada em você - você não precisa de ninguém. Você, sozinho, sente uma total independência, uma sensação de inteireza.

Isso não quer dizer que você não amará as pessoas; ao contrário, somente você pode amar. Uma pessoa que seja dependente de você não pode amá-lo: ela o odiará. Uma pessoa que precisa de você não pode amá-lo. Ela o odiará, porque você se torna o cativeiro. Ela sente que sem você ela não pode viver, sem você ela não pode ser feliz, então, você é a causa das duas coisas, da felicidade e da infelicidade dela. Ela não pode se dar ao luxo de perdê-lo e isso lhe dará uma sensação de aprisionamento: ela é sua prisioneira e se ressentirá disso; ela lutará contra isso. As pessoas odeiam e amam ao mesmo tempo, mas este amor não pode ser muito profundo. Somente uma pessoa que seja consciente, pode amar, porque esta pessoa não precisa de você. Mas então o amor tem uma dimensão totalmente diferente: ele não é apego, ele não é dependência. A pessoa não é sua dependente e não o fará dependente dela: a pessoa permanecerá uma liberdade e lhe permitirá permanecer uma liberdade. Vocês serão dois agentes livres, dois seres totais, inteiros, se encontrando. Esse encontro será uma festividade, uma celebração - não uma dependência. Esse encontro será uma alegria, uma brincadeira.

Assim, lembre-se de que se você sente que através da meditação você se tornou mais sensível, então, automaticamente, você se tornará menos apegado, mais desapegado. Porque você estará mais enraizado em si mesmo, você estará mais centrado em si mesmo, você não usará nenhuma outra pessoa como seu centro. O que o apego significa? O apego significa que você está usando outra pessoa como seu centro de ser - Majanu é apegado a Laila: ele diz que não pode viver sem Laila. Isso significa que o centro de seu ser foi transferido. Se você diz que não pode viver sem isto ou aquilo, então, sua alma não está dentro de você. Então, você não está existindo como uma unidade independente, seu centro se moveu para algum outro lugar.

Essa transferência do seu centro para outra coisa, para o outro, é o apego. Se você for sensível, você sentirá o outro, mas o outro não se tornará o centro de sua vida. Você permanecerá o centro e a partir desse centramento o outro receberá muitos presentes de você. Mas eles serão presentes, eles não serão barganhas. Você simplesmente dará porque tem demais, você está transbordando. E você será agradecido de que o outro tenha recebido o presente. Isso será suficiente e será o fim. Eis por que eu continuo dizendo que a mente é uma grande enganadora. Você pensa que está meditando e que é por isso que você se tornou mais sensível. Então surge a questão do por que você se apega. Se você se apega, isso é um claro sintoma de que a sensibilidade não existe por causa da consciência. Na verdade, não é sensibilidade de modo algum. Pode ser sentimentalismo: uma coisa totalmente diferente. Você pode ser sentimental: você pode suplicar e chorar por pequenas coisas, você pode ser tocado por alguma coisa e um turbilhão pode se criar muito facilmente dentro de você - mas isso é sentimentalismo, não sensibilidade.

Deixe-me contar uma história. Buda estava numa cidade. Uma mulher chegou a ele, suplicando e chorando e berrando. Seu filho, seu único filho tinha morrido de repente. Como Buda estava na cidade, as pessoas disseram: "Não se lamente. Vá até esse homem. As pessoas dizem que ele é de infinita compaixão. Se ele quiser, seu filho pode reviver. Então, não chore, vá até Buda.". A mulher foi até ele com o filho morto nos braços, em prantos, se lamentando, e toda a cidade a seguiu - toda a cidade tinha sido afetada. Os discípulos de Buda também foram afetados; eles começaram a orar mentalmente para que Buda tivesse compaixão. Ele deve abençoar a criança, de modo que ela reviva, ressuscite.

Muitos discípulos de Buda começaram a chorar. A cena era muito tocante, profundamente mobilizadora. Todos estavam imóveis. Buda permaneceu silencioso. Ele olhou para a criança morta, depois, olhou para a mãe em prantos e disse à mulher: "Não se lamente; faça uma coisa e seu filho viverá novamente. Deixe esta criança morta aqui, volte à cidade, vá de casa em casa e pergunte a cada família se alguém já morreu na família, em sua casa. E, se você encontrar uma casa onde ninguém jamais tenha morrido, então, peça-lhes algo de comer... um pão, um arroz ou qualquer coisa - mas da casa onde ninguém tenha morrido. E esse pão, ou esse arroz, reviverá a criança imediatamente. Vá! Não perca tempo!".

A mulher ficou feliz. Ela sentiu que agora sim, o milagre ia mesmo acontecer. Ela tocou os pés de Buda e correu até a cidade, que não era uma cidade muito grande, poucas cabanas, poucas famílias. Ela foi de família em família, fazendo a pergunta. Mas toda família dizia: "Isso é impossível. Não há uma única casa - não só nesta vila, mas em toda a terra - não há uma única casa onde jamais ninguém tenha morrido, onde as pessoas nunca tenham sofrido a morte e o infortúnio e a dor e a angústia que vêm disso.".

Em pouco tempo, a mulher percebeu que Buda tinha lhe aplicado um truque. Aquilo era impossível. Mas, ainda assim, a esperança estava lá. Ela foi perguntando até rodar toda a cidade. Suas lágrimas secaram, sua esperança morreu, mas de repente ela sentiu uma nova tranqüilidade, uma serenidade chegando até ela. Agora ela percebera que seja o que for que nasça, terá de morrer. Uns morrerão mais cedo, outros mais tarde, mas a morte é inevitável. Ela voltou e tocou os pés de Buda novamente e disse a ele: "Como dizem as pessoas, você realmente tem uma profunda compaixão pelas pessoas.". Ninguém podia compreender o que tinha acontecido. Buda iniciou-a no sânias, ela tornou-se uma bhikkhuni, uma saniássin. Ela foi iniciada.

Nós podemos conceber que Buda era mais sensível do que seus discípulos que estavam lamentando e chorando. Eles eram sentimentais.

Não confunda sua sentimentalidade com sensibilidade. A sentimentalidade é comum; a sensibilidade é extraordinária. Ela acontece através do esforço. Ela é uma aquisição. Você a tem de ganhá-la. A sentimentalidade não é algo a ser adquirido: você nasce com ela. Ela é uma herança animal que você já tem nas células do seu corpo e de sua mente. A sensibilidade é uma possibilidade. Você ainda não a tem. Você pode criá-la, você pode trabalhar para isso - então, ela lhe acontecerá. E sempre que acontecer, você estará desapegado.

Buda aproveitou a situação. Ele estava menos interessado na criança morta e mais interessado na mãe viva, porque ele sabia que o filho morto voltaria à vida novamente - não havia nenhuma necessidade do milagre. Mas se o filho fosse revivido, a mãe talvez tivesse perdido uma oportunidade. Durante vidas seguidas ela talvez não tivesse novamente um encontro com um buda.

Mas é difícil de compreender, porque nossas mentes são grosseiras e só compreendemos o sentimentalismo, não podemos compreender a sensibilidade. Sensibilidade quer dizer um estado de alerta que sente tudo que acontece ao redor. E você pode sentir somente quando você não está apegado. Lembre-se disto: se você estiver apegado, você não mais está ali para sentir, você saiu de você. Assim, se você quer saber a verdade sobre alguém, não pergunte aos amigos dele. Eles estão apegados. E não pergunte aos inimigos. Eles também estão apegados, na ordem inversa. Pergunte a alguém que seja neutro - nem um amigo nem um inimigo - somente este pode dizer a verdade. Os amigos não podem ser acreditados; mas nós acreditamos ou nos amigos ou nos inimigos. Os dois estão fadados a estar errados, porque eles não têm uma visão neutra, não têm uma visão desapegada. Não podem ficar distantes e olhar, porque têm um investimento na pessoa em questão. Os amigos têm um investimento e os inimigos têm um investimento. Ambos vêem de acordo com um ponto de vista determinado, ambos estão apegados. No momento em que você sente que está apegado, você adquiriu um ponto de vista. A totalidade está perdida; somente uma coisa fragmentária está em suas mãos. E os fragmentos sempre são mentirosos, porque somente o todo é verdadeiro.

Medite, torne-se mais sensível, e tome isto como um critério, que você continuará se tornando cada vez mais e mais desapegado. Se você sente que o apego está crescendo, então, você está errando em algum ponto na sua meditação. Este é o critério. E para mim, o apego não pode ser destruído e o desapego não pode ser praticado. Você pode somente praticar a meditação - e o desapego se seguirá como uma conseqüência, como um subproduto. Se a meditação realmente florescer dentro de você, você terá uma sensação de desapego. Então, você pode ir a qualquer lugar e você permanecerá intocado, destemido. Então, quando você deixar seu corpo, você o deixará sem arranhões. Sua consciência será absolutamente pura, nada estranho entrou nela. Quando você está apegado, as impurezas entram em você. Esta é a impureza básica: que você está perdendo seu centro e alguém ou algo está se tornando o centro do seu ser.

Nenhum comentário: